"Êh quá-quá-quá,
Oi que linda risada Exu vai dar.
Oi que linda risada Exu vai dar.
Oi que linda risada,
Êh quá-quá-quá."
(Cantiga de Exu na Umbanda, domínio popular) 

Você sabia?

Sobre Eshu/Exu
A homofonia entre Eshu da sigla do Laboratório de Estudos da Sexualidade Humana, e Exu, Orixá do Candomblé e entidade da Umbanda, não é mero acaso. Foi intenção do fundador do grupo de pesquisa, Prof. Luís Felipe Rios, homenagear o Orixá da comunicação, dos caminhos e da sexualidade.

Em sua tese de doutorado, “O feitiço de Exu” (2004), que trata da construção da sexualidade de jovens homens que fazem sexo com homens do candomblé e/ou dos circuitos de homossociabilidade do Rio de Janeiro, o pesquisador conta alguns itans/mitos que ajudam a situar a importância da mitologia de Exu para refletir sobre as sexualidades. Vejamos um deles: 


"Dizem que no começo do mundo tudo precisou ser criado. A terra firme, as águas, o sol e as outras estrelas... Todos os seres vivos e, dentre eles, os humanos.

Também falam por aí que o trabalho da criação em nada foi fácil. Aliás – diz-se a boca pequena – tarefa que perdura até hoje! Algumas vezes, foi preciso criar, desfazer e recriar. Dá um toquezinho aqui, outro retoque acolá.

Para um ser tão complexo quanto o humano, vários deuses e deusas contribuíram para faze-lo o que é: um fez o corpo, outro a cabeça, uma outra deu o poder da geração, outra a consciência...

Coube a Exu, o senhor dos caminhos e da comunicação transformadora, a tarefa de localizar os órgãos do prazer – o sexo. Mas, não pensem que esta tarefa foi resolvida de uma hora para outra.

Exu precisou experimentar vários lugares em busca do mais apropriado. Afinal, a localização do okani (pênis) e da amapô (vulva) deveria ser boa, bela e útil – odara! – para deuses e humanos.

Exu experimentou colocá-los nos pés. Mas a poeira dos caminhos, o pisar incessante do ir e vir, aporrinhava órgãos tão sensíveis.

Experimentou colocá-los em baixo das axilas. Agora era o suor que incomodava, pois os deixavam constantemente molhados.

Experimentou ainda a cabeça. Exu os localizou logo abaixo do nariz. Mas os odores que deles exalam apoquentava humanos e Orixás.

Por fim, Exu, após muitas outras tentativas, encontrou um lugar que considerou muito apropriado: entre as pernas, a meio caminho entre os pés e a cabeça, na encruzilhada que se forma no centro do corpo.

Beleza! Odara! Consideraram todos. E aí okani e amapô permanecem até hoje." (RIOS, O Feitiço de Exu, 2004, p. 17)


O itan situa o sexo como construção, abrindo possibilidades para pensar gênero e sexualidade como socialmente construídos.

Ainda conforme Luis Felipe, a mitologia de Exu, nos moldes como o Candomblé e a Umbanda a recriaram a partir do legado africano, tornou esta divindade uma personagem importante para uma reflexão que vai além das sexualidades dissidentes, apontando também para sinergias entre estas a raça e outros processos de subalternização experienciados no Brasil:

"O mais negro dos Orixás, e que, sinalizando a ordem hegemônica reinante, ainda permanece escravo, o servo e mensageiro dos outros Orixás. Escravo-alforriado, morador das ruas e encruzilhadas, das “zonas morais”, libertino, avoaceiro... Ainda assim, escravo, pois carrega o estigma de que foi aprisionado por sua origem em seu corpo, em uma sexualidade considerada “promíscua”, tanto quanto pelo “tição” de sua cor. O povo do dendê é o povo de Exu. Povo de homens e mulheres que, seguindo o exemplo daquele – e porque considerados cidadãos de terceira - muitas vezes precisam “brincar” com o mundo, em outros termos, para conseguir sobreviver". (RIOS, O Feitiço de Exu, 2004, p. 282)


Sobre as pessoas

Neste momento de resgate histórico e mítico é importante lembrar da participação de pesquisadoras do Grupo de Estudos Família Gênero e Sexualidade (Fages), do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFPE, na fundação do LabEshu, entre 2005 e 2006: as professoras Lady Selma Albernaz e Marion Teodosio de Quadros. Embora nunca tenham feito oficialmente parte do LabEshu, as referidas professoras e o Fages foram importantes parceiras/o ao longo de nossa história.

Outra parceria importante tem sido com o Grupo de Estudos de Poder e Práticas Coletivas (Gepcol) do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFPE, especialmente com a Profa. Jaileila Menezes, conduzindo com pesquisadores/as do LabEshu muitos dos projetos apresentados neste site.

Ao longo dos anos, e na medida que novos quadros ingressaram no Departamento de Psicologia da UFPE, local onde o Laboratório se situa institucionalmente, outras professoras, interessadas em sexualidade, gênero, raça e contra-colônialidade, encontraram no LabEshu um lugar propício para suas pesquisas-intervenções-pesquisas: professoras Karla Galvão Adrião (a partir de 2009) e Luciana Vieira (a partir de 2010).

É importante destacar que a preocupação em não apenas compreender, mas também agir sobre o mundo, em prol de uma sociedade que preze pela dignidade humana é profundamente afim a Exu. Exu é o guardião do poder de realização, indispensável para a ação sobre o mundo.

Na Umbanda, se canta assim:

"Exu da meia noite,
Exu da madrugada,
Com Exu eu faço tudo,
Sem Exu não faço nada."
(Domínio popular)

Laroiê Exu!